Não resisti ao simpático, empenhado e carinhoso convite que o Senhor Presidente, o Paulo, me fez para estar hoje aqui convosco a falar um pouco nesta sessão solene comemorativa dos 49 anos da CPL-IPSS, da nossa Casa do Povo.
Senti-me lisonjeada e talvez não merecedora de tal honra, mas os anos em que aqui passei muitos dos melhores e mais especiais momentos da minha vida e da minha família, levaram-me a aceitar a proposta e a tentar recordar e fazer-vos recordar a vida da CPL.
E assim começou a sua história!…
Nesta Terra, de fortes tradições associativas e de grandes vivências socioculturais, já nas primeiras décadas do século passado se organizavam representações de carácter popular – o Teatro de Rua – muitas vezes com um carro de bois até para servir de palco.
Juntava-se um grupo de homens que criavam uma peça para representar e animar o povo que, nas gargalhadas, libertava a alma dos problemas e dificuldades do dia-a-dia.
Eram as Segadas que chegaram a merecer uma reportagem da RTP em 1975, com entrevistas a alguns personagens e autores. Para cá, vieram trazidas pelo Sr. João Sopas e várias foram representadas, normalmente na época do Carnaval com 3 a 15 elementos que cantavam, tocavam e dançavam.
Tratavam de assuntos burlescos ou agressivamente críticos, satirizavam pessoas, usos e costumes… Dona Silvana, As Nações, A da Peixeira, Os Pretos, As Cinco Profissões da Terra (pescador, cavador, latoeiro, taberneiro e ladrão), As Estações do Ano… ficaram conhecidas e a última representação creio aconteceu em 1960. Finalizava-se a representação da Segada com muito alarido e fazia-se um peditório entre a assistência.
Na primeira metade do século passado, também as pessoas aderiam e participavam na organização dos Pavilhões, sendo recordado o “Pavilhão das Canas” feito pelo Engo José Saúl.
Nas noites mornas do S.João, a juventude enchia-os com as suas músicas, canções e danças. Noites de alegria jamais esquecidas!
Havia ainda os Ranchos do 1oMaio e do S.João que coloriam e alegravam as ruas com marchas que passaram de geração em geração e que ainda hoje são entoadas e cantadas com prazer, emoção e alegria, eternizando a memória dos seus autores, filhos da Terra que a conheciam e amavam e cantaram nas lindas letras das marchasse dos ranchos que todos os anos Marcavam os dias festivos.
Chamo à lembrança os Ranchos da “Esquilha” e da “Cavala”, …
Assim se juntavam e divertiam as pessoas em tempos difíceis, com quase nenhuns recursos, com tempo quase só para trabalhar de sol a sol… Assim esqueciam-se as agruras da vida quotidiana e, se hoje as há, nesse tempo…
Upa! Upa!
No ano de 1948, foi organizada uma equipa de futebol que integrava jogadores de todos os lugares da Freguesia – “Os Onze Unidos de Lavos”.
Constituíram-se numa colectividade com sede no ”Forno da Cal” e teve como primeiro presidente o Sr. Amâncio Pinto Curado. Jogavam no Campo das Acácias que, entretanto, foi vedado pelos jogadores e povo com madeira que o Sr. Mestre Pedro (António Maria Rodrigues Pedro) conseguiu arranjar nas Matas Nacionais, bem como o respectivo transporte.
Quando os jogos eram fora, nas localidades das outras equipas, os jogadores deslocavam-se de bicicleta, por vezes dois em cada uma. Chegaram a ir assim à Vieira de Leiria para disputar jogos!… _Meu Deus!…
Veio depois o convite para filiação da equipa e, bem assim, da colectividade “Os Onze Unidos de Lavos” na FNAT. Assinados e enviados os respectivos estatutos foram aprovados em 14 de Abril de 1953.
Nasceu o Centro de Recreio Popular de Lavos!
O futebol e o rancho eram as actividades que mais tocavam o coração do povo da Regalheiras e estiveram na base da constituição do CRPL.
No emblema da colectividade figuravam uma enxada, uma viola e uma bola, simbolizando o Trabalho, Alegria e Desporto, símbolos que ainda hoje permanecem no emblema da Casa do Povo.
Foi seu autor Adolfo Figueiras Carracho.
Constituíram-se os corpos gerentes sendo presidente da Direcção o Sr. José Gomes Morais Jordão. Não tendo sede própria teve como primeiro local de instalação o “Clube do Zeca” ou “Clube do Leonel”, na Rua do Rancho Folclórico “As Salineiras de Lavos”, entre 14 de Abril de 1953 e 31 de Agosto de 1962, data em que mudou para uma casa do Sr. Joaquim Cristina, na Rua Amâncio Pinto Curado, onde foram alugadas três salas: uma para a direcção, outra para aí funcionar o bufete e uma maior destinada aos ensaios do rancho.
Em 1 de Setembro de 1962 iniciaram-se as emissões da RTP (Rádio Televisão Portuguesa). Novidade que agradava e interessava a todos foi então adquirido um aparelho de televisão e a troco de um escudo por pessoa, muita gente enchia a sala.
Manteve-se a actividade da Equipa de Futebol sempre presente em jogos particulares e nos campeonatos da FNAT, tendo ganho algumas taças e medalhas.
Por seu lado, o Rancho Folclórico participava nas Festas de S.João e iniciava o seu percurso com deslocações à Figueira e a diversos pontos do país.
O movimento e assiduidade de pessoas e toda a actividade desenvolvida começaram a justificar mais amplas e melhores instalações e foi então que se começou a desenvolver a ideia de criar uma sede própria. Comprou-se um terreno à Sra. Dona Valentina Curado e iniciou-se a obra com um empréstimo de trinta mil escudos (600€) junto do Grémio da Lavoura da Figueira da Foz.
Depois foi chamado o povo a dar o seu contributo para o levantamento da sua colectividade e foi muito interessante a colaboração da comunidade no crescer no do associativismo. Cada um colaborava como podia desde a parte pecuniária, a oferta de dias de trabalho gratuito, de materiais como pinheiros para andaimes ou cofragens, a empréstimo de carros para transporte de materiais…
Enfim, cada um oferecia o que tinha e podia.
Fizeram-se peditórios, passaram-se filmes oferecidos pela FNAT e, certamente, outras iniciativas com as quais angariavam alguns recursos financeiros absolutamente indispensáveis.
O povo correspondeu, e a 14 de Novembro de 1964, o Centro de Recreio Popular de Lavos (CRPL) hasteou a sua bandeira e inaugurou a sua Sede Social, na rua que vai do Largo para o Viso (rua 3 Novembro 1975) com a presença do Delegado da FNAT, Dr. Sampaio, forças vivas da Terra e muito público. Além das cerimónias oficiais houve um grande baile abrilhantado pelo “Conjunto Estrelas do Mondego”.
E o povo aplaudiu, dançou, festejou e acarinhou esta obra que marcou o espírito associativo que viria a crescer e a trazer a esta Terra uma luta constante por manter vivo espírito comunitário e o granjear de benefícios para o povo que sabia o que queria e tudo fazia para alcançar os seus objectivos.
Esta Sede ainda hoje se mantem de pé, embora inactiva à espera que ali possam vir a ser criadas outras infraestruturas que proporcionem o bem-estar e o prazer de quem delas vier a usufruir.
Ali estava a alma das Regalheiras!
Ali se juntaram gerações que levaram o seu nome bem alto e bem longe, até pelo mundo fora.
Eram os bailes animados e sempre com qualquer coisa para leiloar, as sessões de cinema sem cadeiras vazias, os espectáculos diversos até de ilusionismo, festas e exposições… os teatros… audições musicais… palestras…
Houve ocupação de tempos livres para crianças e aulas de ginástica para crianças e adultos.
E, o Rancho Folclórico “As Salineiras de Lavos” constituído a 23 de Junho de 1959, animava as noites dos hotéis da Figueira e trazia turistas neles instalados até cá, actividade que dava prazer aos seus componentes e proporcionava agradáveis receitas para a colectividade.
Lá funcionou uma sala a Escola Primária entre Outubro de 1980 e Maio de 1985. Os meninos eram muitos e a Escola existente tinha apenas uma sala de aula. Estão hoje aqui alguns que por lá viveram os primeiros anos da sua escolaridade. Não esqueçamos os Cursos de Adultos que ali foram ministrados entre Outubro de 1981 e Julho de 1986.
E o salão virou “santuário” quando lá se celebraram as primeiras missas em honra dos sócios falecidos. Que esmero na ornamentação digna de receber o altar e a palavra do Senhor!…
E, como o povo da Regalheiras sempre disse “presente” aos desafios e sempre lutou e contribuiu para ir mais além… foi ali que teve o primeiro berço a Casa do Povo de Lavos, fundada em 2 de Junho de 1973, cujo 49o aniversário aqui estamos a celebrar.
Horas difíceis antecederam esta iniciativa, dias de luta que moveram o povo a participar em acções e tomadas de posição enfrentando entidades, autoridades, rivalidades. E novamente se inicia uma fase de imenso querer, movimento e trabalho para se construir uma nova Sede que foi e é, uma das jóias do concelho no âmbito das colectividades.
O sonho nasceu e para crescer cá estava o povo bairrista que não gosta da palavra «NÃO», que quando quer se junta, empenha, trabalha, realiza. Cá estavam as mulheres doutros tempos, essas grandes salineiras que, ao lado dos homens, construíram esta casa. Se eles trabalhavam na construção, na obra, elas ajudavam arranjando o dinheiro para a erguer.
_Não foram esquecidas!
Estão perpetuadas no “Jardim As Mulheres dos Andores”, inaugurado a 14 de Novembro de 1986. Homenagem bem merecida a tantas que, felizes, todos os anos pelo S. João apresentavam os seus andores bem pesados e enfeitados com as notas que a brisa agitava. Chegavam ao Largo cheio de gente os andores recolhidos em procissão. Alinhavam-se, os leiloeiros preparavam-se para a venda e o povo comprava tudo até restarem apenas as armações de madeira cobertas com papeis coloridos. E, nas bolsas de pano ia crescendo o resultado das vendas! E lá se iriam diminuir as dificuldades económicas que esta tão grande obra exigia. Muitas outras actividades foram dando o mesmo contributo.
E o sonho realizou-se!…
A 2 de Junho de 1984 foi inaugurado o primeiro edifício-Sede com a presença do Senhor Ministro da Cultura, Coimbra Martins, e outras individualidades e autoridades. Aí funcionaram Serviços Administrativos, o Bar e a Sala de Jogos, o Posto dos CTT, a Extensão de Lavos do Centro de Saúde da Figueira da Foz, depois a Sala Museu Eng.o Egberto Rodrigues Pedro, a Biblioteca José Gomes Morais Jordão e a Farmácia Da Maria.
Em Fevereiro de 1986 foi iniciada a construção deste maravilhoso Salão de Festas – “Auditório O Marnoto”.
Não descurando o devido respeito por todos os que aqui trabalharam, homens e mulheres, novos e menos novos, quero e devo referir a extraordinária capacidade e saber de quem dirigiu as obras, mesmo não dispondo de meios técnicos – o Sr. Júlio Augusto Ferreira, homem que não sendo natural desta Terra cá se radicou e dedicou às iniciativas, nomeadamente ao Rancho que sempre acompanhou com o seu violão. Lamentavelmente, por circunstâncias que agora não vou abordar, não se concretizou a 3a Fase da Casa do Povo que comtemplava o Centro de Saúde, a Capela e o Centro de Dia. O tempo corre, os anos passam, uns vão, outros vêm, e os filhos e netos dessa geração dos anos 40 do século passado vão mantendo viva e grande a obra onde se guarda a história, a cultura, o espírito social e comunitário, o bairrismo, a vontade dum povo que nunca esperou subsídios estatais e sempre foi determinado a dizer: _Estou presente! _Contem comigo! Esta postura inspirou confiança e a vontade em ajudar e colaborar de empresários e individualidades amigas que doaram muitos milhares de contos e euros à causa da Casa do Povo. A todos o grande reconhecimento e agradecimento.
Connosco, com outros, muitos mais aniversários irão ser comemorados. Aqueles que aqui viveram momentos de saudável convívio, de alegria e prazer nas diversas actividades socioculturais e desportivas no seu tempo de juventude jamais esquecerão as festas, os ensaios, os teatros e variedades, o teatro infantil, os torneios intersócios com provas de sueca, ping-pong, tiro ao alvo, xadrez, o jogo do burro, os campeonatos de futebol, os torneios de futebol com equipas de vários escalões, masculinas e femininas, os jogos dos solteiros-casados e solteiras-casadas, os passeios ciclo-turísticos que nos levaram até à Lagoa da Ervideira e a Montemor-o-Velho, os concursos de pesca de mar, os incríveis desfiles de Carnaval feitos com imaginação e carolice já que não tinham subsídio algum, a Escola de Música onde nasceram o Conjunto Juventa e a Tuna, os Grupos de Dança, os Festivais Nacionais e Internacionais de Folclore que trouxeram ao nosso Largo tradições do mundo, as inesquecíveis viagens do reconhecido Rancho Folclórico “As Salineiras de Lavos” pelo país e estrangeiro, as «Europeades», aquele maravilhoso Rancho Infantil que, como em mais nenhum jamais vi, dançarinos, músicos, cantadores e até a apresentadora todos, todos, eram mesmo crianças!…
Era demais!… _Obrigada, Guirra!
Essa juventude irá manter viva essa chama do verdadeiro associativismo, esta obra que ajudaram a fazer crescer e que faz parte da sua história de vida. A prova do que digo está na forma de estar, na sensibilidade, na disponibilidade, na memória e no coração do Sr. Presidente actual e da sua equipa de órgãos directivos desta, da nossa Casa do Povo.
_Força Juventude!
_Continuem!
Este povo estará convosco para continuar esta obra que ajudou a levar o nome das Regalheiras pelo País fora e por muitos destinos além-fronteiras. Celebramos 49 anos da CPL. Que este ano seja um ano de sucessos, de ideais e objectivos concretizados, de belas realizações.
Parabéns gente que te criou e te faz grande!
Parabéns Casa do Povo de Lavos!
Isabel Curado Oliveira